Sem rei, nem lei e ser feliz. A estética do cangaço.
- Johnny Liberato
- 23 de nov. de 2016
- 4 min de leitura
O cangaço, foi o movimento irredentista, originalmente brasileiro, com forte atuação política e que nos deixou uma herança plástica.O cangaço criou uma estética a partir do seu espaço e do seu contexto social e histórico. O contexto influenciou desde o material utilizado à paleta de cores vibrantes e terrosas. Desenvolveu objetos especificamente utilizados na caatinga, mas que continham uma plástica original, além de utilidade prática, como as perneiras e os bornais, adornados por lindos florais bordados à maquina e ilhós.
Quando falamos em história do Brasil, o cangaço é pouco lembrado, mesmo que seu anarquismo tenha muito a nos ensinar. Sem rei, nem lei e ser feliz, era um dos bordões de Virgulino, mais conhecido como Lampião, e dizia respeito a uma restruturação do sistema social vigente. Os cangaceiros atuavam pela prática criminosa, como uma maneira de tomar de volta o que foi "roubado" pelos colonizadores, mas se é que os fins justificam os meios, a população das comunidades saqueadas, ganhava as propriedades dos coronéis mortos durante os saques. O cangaço restituía propriedades aos pobres, e dizimava poderosos "invasores", que exploravam os pobres. Foram caçados e mortos durante a ditadura de Vargas e tiveram suas cabeças expostas em um museu. Arte mórbida, combina com estados ditatoriais.

Para quem quiser saber mais sobre a estética do cangaço eu indico: Estrela de couro estética do cangaço, escrito por Frederico Pernambucano de Melo, com prefácio de Ariano Suassuna. Tem uma leitura fácil, e uma pesquisa muito rica na tangente plástica e histórica da coisa.
O cangaço geralmente é confundido como expressão banditista do nordeste brasileiro, porém aqui tratamos dele como um movimento cultural, rico visualmente e historicamente. Os cangaceiros utilizaram-se de quesitos geográficos e elementos visuais simples como florais geométricos para configurar a estética do movimento.
Esses florais eram geralmente utilizados em bordados no bastidor os bornais, bolsas, chapéus entre outras peças da indumentária recebiam esses elementos florais, geralmente em cores primárias e secundárias, o que tornava esse tipo de adorno bem alegre e vibrante.
As cores do cangaço foram traduzidas por Tucano, um jornalista amador no estado da Bahia em 1928 em uma frase, logo após ter assistido a chegada dos cangaceiros a uma cidade do estado nordestino, como conta Frederico Pernambucano de Melo em seu livro Estrela de couro estética do cangaço, “Vinham tão ataviados e ornamentados de cores berrantes que mais pareciam fantasiados para um carnaval”.
A questão estética do cangaço pouco comentada nos livros de história nacional é na verdade um dos fatores mais relevantes dentro do movimento, tendo-se em vista que os trajes dos cangaceiros na verdade os categorizavam como homens acima da lei e dos demais homens.
A mística que envolvia os trajes do cangaço, é para nós mais interessante do que os próprios elementos visuais que de fato constroem a sua estética. O cangaço é muito mais que couro, que metal, que bordado, a sua representação estética é de cunho tão complexo, tão sublime e voraz, que se tornou hoje uma das minhas maiores paixões.
Essa bibliografia mostra o movimento do cangaço de maneira elevada, um olhar que nossa moda perturbada não consegue ver, enxergar além do espelho óbvio da plástica, é preciso politizar a plástica. Estrela de couro, se tornou meu livro de cabeceira. O livro, assim como o movimento tem muito a nos ensinar sobre identidade brasileira e moda, sim! O pensar moda, o papel da moda no contexto social. Os cangaceiros utilizavam suas ornamentadas indumentárias para se projetar como a lei do sertão, não se escondiam entre a vegetação seca, se destacavam sobre ela, com suas cores, seus metais nobres e seu couro robusto, suas vestes carregadas de simbologia mística conferiam a esses "bandidos" o status de imortais, homens sem lei nem rei, como deveria ser o homem livre do séc XXI.
Pernambucano de Melo fala sobre o cangaço como "a expressão do irredentismo brasileiro", eles criaram essa estética com alguns pontos que eu posso listar, e até hoje é talvez o movimento mais genuinamente brasileiro. O couro, era o material que além de manter uma relação de afinidade com o contexto regional, protegia a pele dos cangaceiros do sol, da vegetação e da fauna peçonhenta da caatinga, o ouro e metais nobres conferiam status de poder sobre a população que era vítima da presença dos cangaceiros, as cores dos bordados, além de trazer conforto visual para Lampião que era extremamente sensível, deixava claro que era um diabólico carnaval que o cangaço vinha propor.
Diferente do que se propõe na moda brasileira hoje, o cangaço propôs moda a partir de um contexto real, conferindo significados muito além da plástica, e combatendo a influência externa, moda irredentista, para guerreiros irredentistas. Uma herança que vai além do couro, traz para a identidade cultural brasileira uma moda que pensa, que veste e que fala.
No Cinema Diva Dira Paes, interpretou a estilista do cangaço, no filme (Corisco e Dada de 1996) de Rosemberg Cariry. Dadá, como era chamada foi mulher de Corísco (Diabo Loiro), ela recebeu esse carinhoso título, por ter desenvolvido a maioria dos florais do cangaço, então devemos a éssa mulher as cores que acompanham nossas estrelas de couro.
Lampião gostava muito de criar nas máquinas de costura também, mas foi Dadá quem deu o nome de designer fashion, ao criar os bornais mais badalados do sertão. A estilista do cangaço Dadá, morreu em julho de 2013, infelizmente. Deixo aqui minha homenagem a essa que tanto me inspirou.
Dada e Corisco (1996)
Se quiser se aprofundar no tema e nos personagens dessa história visite o blog Lampião aceso o mais completo blog sobre o assunto que eu já vi. Voltarei em breve com uma aproximação mais estreita entre moda e cangaço.
留言